domingo, 22 de fevereiro de 2009

O papel do educador na sociedade do conhecimento

Abdeljalil Akarri, consultor da Unesco, fala sobre os desafios dos professores no século 21

Por Mariana vicili

Em julho a PUCRS sediou o 3º Congresso Nacional Marista de Educação, reunindo mais de 2,5 mil professores de todo o País. O foco principal dos debates foram as novas configurações da profissão e da missão do educador no século 21. Entre os conferencistas internacionais estava o professor Abdeljalil Akkari, da Universidade de Genebra, na Suíça. Akkari é consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), e diretor de pesquisa na Haute École Pédagogique. Realiza pesquisas sobre desigualdades educacionais, educação comparada e conexões entre culturas e educação. Na ocasião, realizou palestra sobre O ofício de educador na sociedade do conhecimento: profissão e missão. Antes da conferência, concedeu entrevista exclusiva à revista PUCRS Informação falando sobre o tema e comentando a respeito da educação no Brasil.

Quais são os maiores desafios dos educadores na sociedade do conhecimento?
Percebo três desafios principais. Primeiro, ajudar os alunos a selecionarem as informações mais importantes. Numa internet, num banco de dados, existe muita informação. O problema é identificar a informação que tem valor científico, valor numa disciplina. A segunda missão é ajudar os alunos a ver a informação do ponto de vista crítico. Significa que nem tudo o que encontramos na internet e em outras fontes é bom. Não precisamos aceitar tudo sem discussão. A terceira condição é pensar que a internet é só um meio para melhorar a nossa produtividade como educando, que deve ser um instrumento, e não uma finalidade da educação. É preciso conectar o que encontramos na internet com outro meio de conhecimento, valorizando a relação do professor diretamente com o educando.

A filosofia marista de ensino valoriza muito essa relação, além de buscar a formação do aluno como um todo, como profissional e como pessoa. O que o senhor acha?
Na perspectiva marista, o estudante é preparado para o emprego, para a universidade, mas sempre com uma visão histórica e filosófica de prepará-lo para ser responsável pela sua vida, com uma postura crítica. É importante existir esse tipo de instituição que não tem como objetivo só uma preparação instrumental. É uma perspectiva interessante, porque a tendência é menos ética, menos moral. Em vários lugares no mundo, inclusive no Brasil, a educação virou um mercado para gerar lucro, vender curso, enriquecer. A educação marista procura conviver com essa realidade, mas num aspecto mais espiritual, mais humano. Tive a oportunidade de participar do primeiro congresso marista em 1997, em Curitiba, e fui convidado para uma intervenção durante este evento. O que me impressionou mais é que este congresso é um encontro da comunidade marista de todo o Brasil. Tem heterogeneidade, diversidade cultural, diversidade de instituições, o que é uma questão muito importante.

No Brasil, a educação enfrenta um problema muito sério: cada vez menos pessoas querem trabalhar como professores, principalmente nos Ensinos Fundamental e Médio. O que poderia ser feito? A melhora do salário resolveria?
Estou pesquisando agora mesmo a questão da qualidade da educação básica no Brasil. A ideia é ver a opinião dos professores que atuam na rede particular e pública sobre a qualidade da educação. A maioria dos professores que entrevistamos conta que o salário tem relação com o desempenho deles, porém, muitos acreditam que melhorar o salário não vai necessariamente implicar a melhoria do trabalho do professor. Não é só salário, é uma questão de reconhecimento social. No Brasil, percebo que o professor não tem esse reconhecimento. Alguns até comentaram: “Quando as pessoas sabem que a gente é professor de Ensino Fundamental, dizem: ‘que pena, você não encontrou outro trabalho?’ ”. Não tenho solução para reformar isso, mas essa pesquisa pode ajudar a ver por que a questão é assim.

Alguns países com o mesmo nível de desenvolvimento do Brasil conseguiram avanços nessa área. O que poderia ser tomado como exemplo?
Para melhorar a educação básica num país, estudam-se vários países no mundo, sobretudo os asiáticos, que alcançaram um bom nível educacional. O que se pode observar? Primeiro: tem que investir mais na educação. O Brasil investe bastante, mas não investe o correspondente à sua riqueza econômica. A qualidade da educação não pode sair de uma escola que não tem banheiro, não tem teto, não tem água. Todos os estudos internacionais apontam a importância da questão da infra-estrutura. Há também os livros didáticos. Não existe um lugar no mundo onde a educação melhorou sem livro didático apropriado, publicado no lugar, de acordo com realidade cultural e social local. O terceiro ponto é a formação e a condição do trabalho do professor.

Passando do ensino básico para o superior. O que o senhor acha da experiência do ProUni e das cotas no Brasil?
É difícil para um pesquisador estrangeiro opinar de forma lúcida sobre isso, mas vou tentar. Eu ministro um curso sobre educação comparada e relato sobre essa experiência brasileira. Algumas pessoas falam que a educação tem que se basear na questão do mérito. Outra parte da população acha que existem alguns grupos discriminados socialmente, e que o Estado tem o papel de ajudar esse grupo para participar realmente da vida social, política e educacional. No Brasil, historicamente, o programa educacional foi inspirado no dos Estados Unidos. O programa norte-americano é baseado nas categorias raciais. Significa que o cidadão americano se encaixa em categorias, como branco, mestiço, negro, entre outros. O problema é que aqui no Brasil a pessoa é que tem que dizer a sua “categoria”. Deixa muita margem à interpretação de cada um, e essa designação da raça dá problema. Na França a ação é territorial, ou seja, quando você mora num bairro periférico, o Estado vai ajudá-lo, não você, mas o bairro. Por exemplo, o professor que trabalha numa favela ganha mais do que um que trabalha no centro da cidade. O que acho interessante na perspectiva brasileira é a questão social, sobretudo os alunos que passaram pela rede pública e podem ingressar em universidade pública ou privada.

E quanto à educação a distância no ensino superior? O senhor acredita que é uma tendência?
Vejo que havia muita esperança nos cursos a distância. Vou falar da minha própria experiência lá na Universidade de Genebra. Estou experimentando cursos semipresenciais e percebo que, para se ter um bom curso a distância, você precisa trabalhar mais do que com cursos tradicionais. Quando decidi fazer uma parte do curso nessa modalidade, não tive tempo suficiente para melhorá-lo para que fosse adaptado. Um curso a distância pede muita preparação no aspecto técnico, gráfico. Esse tipo de curso tem muita interatividade com os alunos. O que significa que podemos contatar o professor a qualquer momento do dia, da noite. Há uma relação privilegiada com cada estudante. O problema é que isso também precisa de tempo. Mas isso depende também da disciplina. Tenho uma postura bastante crítica sobre uso e abuso de cursos a distância na educação superior.

A questão é, queremos curso a distância porque é mais barato ou mais eficiente para conseguir um objetivo de aprendizagem?
Aqui na PUCRS nós temos alguns cursos com disciplinas a distância na graduação, uma ou duas...
Penso que não se deve parar a experiência com cursos a distância. O que não acredito é num programa inteiro nessa modalidade. A presença de uma ou duas disciplinas com material bem preparado é válida. O melhor curso a distância é aquele criado na universidade que ajuda o professor a prepará-lo, que investe.

Esta entrevista saiu na Revista Informação, da PUCRS, n° 141, setembro/outubro, 2008, p. 25 e 26.

6 comentários:

Anônimo disse...

Olá, Natania

Achei excelente a entrevista!
Sei que você gosta de História e também é apaixonada por tecnologia. Por isso coloquei o seu blog entre os meus favoritos. Ele é ótimo e por isso o indiquei para o selo blog maneiro. Clique abaixo e confira:

http://saibahistoria.blogspot.com/

Um grande abraço!

Anônimo disse...

Oi Natania, o professor Abdeljalil Akkari esteve aqui em Catalão-GO fazendo uma palestra em maio de 2008. Eu gostei da pesquisa dele. Publiquei, inclusive, um comentário. Está aqui:

http://www.soprando.net/noticias/formacao-docente-palestra-na-ufg-catalao

Abraço e parabéns pela publicação da entrevista.

Wolney

Natania A S Nogueira disse...

Olhei e passei para o professor Akarri.
:-)

Prof. Michel Goulart disse...

Olá, Natania. Achei interessante a entrevista do prof. Akarri. Aliás, acho que o maior desafio educacional na sociedade do conhecimento é preparar o professor para enfrentá-lo:) Parabéns, pelo seu trabalho e conquistas. Um abraço

Natania A S Nogueira disse...

O Prof. Akarri tem muita preocupação com a questão da formação. Não é suficiente apenas cursar uma universidade, mas principalmente ter preparo durante o curso para enfrentar os desafios da sala de aula. Tardif, por exemplo, defende uma ampliação do estágio e considera a prática tão importante quanto os conteúdos teóricos

Unknown disse...

Oi amei a entrevista do prof.Akarri, mas Tardif, disse tudo,pois realmente é necessário ampliar a prática das nossas teorias,assim, teremos profissionais muito mais seguros e bem preparados no mercado e, dai sim,verdadeiramente,começaremos a ser um país que priorida a Educação!