quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Diretrizes do CNPq para Ética e Integridade nas Pesquisas - Ética e Integridade na Prática Científica

Instada a manifestar-se sobre denuncia de fraude em publicações científicas envolvendo pesquisadores apoiados pelo CNPq, e diante da inexistência de normas internas específicas e instrumentos estabelecidos para o tratamento adequado de ocorrências desta natureza, a Diretoria Executiva decidiu criar, através da portaria PO-085 de 5 de maio de 2011, uma Comissão Especial constituída por cientistas brasileiros de grande experiência e liderança, com a missão de propor recomendações e diretrizes sobre o tema da Ética e Integridade na Prática Científica.

É, portanto, com muita satisfação que a Diretoria Executiva recebeu recentemente o relatório final da Comissão Especial, o qual recomenda que o CNPq adote duas linhas de ação referentes ao tema: 1) ações preventivas e educativas e 2) ações de desestímulo a más condutas, inclusive de natureza punitiva. Destacam-se no documento as excelentes propostas de produção de publicações e materiais educativos em língua portuguesa, sobre os diferentes tipos de fraude ou má prática na pesquisa e em publicações científicas. A estes materiais deverá ser dada ampla divulgação entre cientistas, orientadores acadêmicos e estudantes, inclusive na forma de disciplinas sobre o tema oferecidas nos cursos de pós-graduação e graduação. Recomenda-se ainda que o CNPq constitua uma Comissão Permanente de Integridade Científica, constituída por membros de alta respeitabilidade e originados das diferentes áreas do conhecimento, à qual caberá: 1) coordenar as ações preventivas e educativas sobre o tema; e 2) examinar situações em que surjam dúvidas fundamentadas quanto à integridade da pesquisa realizada ou publicada por pesquisadores apoiados pelo CNPq, podendo requerer o apoio de especialistas da área nomeados ad hoc para caso específico. Caberá também a essa comissão propor à Diretoria Executiva do CNPq os desdobramentos adequados. O relatório estabelece também algumas Diretrizes de caráter geral sobre o tema, orientadoras aos pesquisadores e estudantes e que devem pautar a futura Comissão Permanente nas suas ações subseqüentes.

O Relatório Final da Comissão será agora analisado pelas instâncias competentes para seguimento às tratativas pertinentes, mas com o intuito de fomentar as discussões e acolher sugestões sobre o tema, a Diretoria Executiva decidiu dar divulgação ao documento com as recomendações.

A Diretoria Executiva manifesta seu especial agradecimento especial à Comissão pelo excelente trabalho realizado.
Glaucius Oliva
Presidente – CNPq
Brasília, 07 de Outubro de 2011


Relatório da Comissão de Integridade de Pesquisa do CNPq
A comissão instituída pela portaria PO-085/2011 de 5 de maio de 2011, constituída pelos pesquisadores Alaor Silvério Chaves, Gilberto Cardoso Alves Velho, Jaílson Bittencourt de Andrade, Walter Colli e coordenada pelo Dr. Paulo Sérgio Lacerda Beirão, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do CNPq, vem apresentar seu relatório final
Introdução
A necessidade de boas condutas na pesquisa científica e tecnológica tem sido motivo de preocupação crescente da comunidade internacional e no Brasil não é diferente. A má conduta não é fenômeno recente, haja vista os vários exemplos que a história nos dá de fraudes e falsificação de resultados. As publicações pressupõem a veracidade e idoneidade daquilo que os autores registram em seus artigos, uma vez que não há verificação a priori dessa veracidade. A Ciência tem mecanismos de correção, porque tudo o que é publicado é sujeito à verificação por outros, independentemente da autoridade de quem publicou.

Como ilustração, podemos citar alguns exemplos emblemáticos, como o chamado “Homem de Piltdown” - uma montagem de ossos humanos e de orangotango convenientemente manipulados, que alegadamente seria o “elo perdido” na evolução da humanidade. Embora adequada para as ideias então vigentes, a farsa foi desmascarada quando foi conferida com novos métodos de datação com carbono radioativo. Outros exemplos podem ainda ser citados, como o da criação de uma falsa linhagem de células-tronco embrionárias humanas que deu origem a duas importantes publicações na revista Science em 2004 e 2005. Por esse feito, o autor principal foi considerado o mais importante pesquisador de 2004. O que seria um feito extraordinário mostrou ser uma fraude e resultou na demissão desse pesquisador e na exclusão desses artigos da revista.

Essa autocorreção, no entanto, não é suficiente para impedir os efeitos danosos advindos da fraude, seja por atrasar o avanço do conhecimento ou mesmo por consequências econômicas e sociais resultantes do falso conhecimento. Um caso exemplar das consequências danosas que podem ser causadas por fraudes científicas foi a rejeição dos princípios da genética, por meio da manipulação de dados e informações com objetivos ideológicos e políticos, feita pelo então presidente da Academia Soviética de Ciências, Trofim Lysenko. Essa falsificação, mesmo sendo posteriormente contestada cientificamente, trouxe grande atraso na produção agrícola da então União Soviética, o que contribuiu sobremaneira para a deterioração econômica e sustentabilidade do regime soviético.

Esses casos mostram que resultados falsos ou errados podem atrasar acentuadamente o avanço do conhecimento, sem contar com o custo, financeiro e humano, envolvido na correção dos desvios. Mais difíceis de serem corrigidos são os problemas advindos de plágios, onde o verdadeiro autor, seja de descobertas ou de textos, pode ter seu mérito subtraído com possíveis prejuízos profissionais.

A falsificação de dados pode ser caracterizada quando as manipulações introduzidas alteram o significado dos resultados obtidos. Por exemplo, introduzir ou apagar imagens em figuras podem alterar a interpretação dos resultados. Algumas situações são consideradas legítimas, como, por exemplo, o emprego de software de aumento de contraste usado por astrônomos pode revelar objetos celestes dificilmente identificáveis de outra maneira. Alterações de contraste ou brilho para melhorar a qualidade global de uma imagem são consideradas legítimas se aplicadas a toda a imagem e descritas na publicação. Nesses casos a imagem original deve ser mantida, e publicada como informação suplementar quando possível.

Além das referidas consequências danosas da falsificação e do plágio, essas práticas podem favorecer indevidamente seus autores para conseguirem vantagens em suas carreiras e na obtenção de auxílios financeiros. Em relação a isso, surge também como significativa a prática crescente de autoplágio. Em um ambiente de competição para a obtenção de auxílios financeiros, isso pode significar o investimento em pessoas e projetos imerecidos, em detrimento daqueles que efetivamente são capazes de produzir avanços do conhecimento. A existência de software capaz de identificar trechos já publicados de manuscritos submetidos tem facilitado a prevenção de plágio e de autoplágio.

Por todas essas razões as más condutas na pesquisa são assunto de interesse das agências de financiamento, que devem zelar pela boa aplicação de seus recursos em pessoas que sejam capazes de produzir avanços efetivos (isto é, confiáveis) do conhecimento. Isso significa instituir mecanismos que permitam identificar e desestimular as práticas fraudulentas na pesquisa, e estimular a integridade na produção e publicação dos resultados de pesquisa.
Para lidar com esses problemas, a comissão recomenda que o CNPq tenha duas linhas de ação: 1) ações preventivas e pedagógicas e 2) ações de desestímulo a más condutas, inclusive de natureza punitiva.

Com relação às ações preventivas, é importante atuar pedagogicamente para orientar, principalmente os jovens, nas boas práticas. É também importante definir as práticas que não são consideradas aceitáveis pelo ponto de vista do CNPq. Como parte das ações preventivas, o CNPq deve estimular que disciplinas com conteúdo ético e de integridade de pesquisa sejam oferecidas nos cursos de pós-graduação e de graduação. Também a produção de material com esses conteúdos em língua portuguesa deve ser estimulada e disponibilizada nas páginas do CNPq. Como ponto de partida, algumas diretrizes orientadoras das boas práticas nas publicações científicas, inclusive nos seus aspectos metodológicos, devem ser imediatamente publicadas, podendo ser aperfeiçoadas com contribuições subsequentes. Há que se salientar nessa direção a importância dos orientadores acadêmicos.

Com relação às atitudes corretivas e punitivas, recomenda-se a instituição de uma comissão permanente pelo Conselho Deliberativo do CNPq, constituída de membros de alta respeitabilidade e originados de diferentes áreas do conhecimento. Deverá caber a esta comissão examinar situações em que surjam dúvidas fundamentadas quanto à integridade da pesquisa realizada ou publicada por pesquisadores do CNPq - detentores de bolsa de produtividade ou auxilio a pesquisa. Com relação a denúncias, é de se cuidar para não estimular denúncias falsas ou infundadas. Caberá a essa comissão examinar os fatos apresentados e decidir preliminarmente se há fundamentação que justifique uma investigação específica, a ser realizada por especialistas da área nomeados ad hoc . Caberá também a essa comissão, a partir dos pareceres dos especialistas, propor à Diretoria Executiva do CNPq os desdobramentos adequados. Será também incumbência dessa comissão avaliar a qualidade do material disponível sobre ética e integridade de pesquisa, a ser publicado nas páginas do CNPq.


Definições
Podem-se identificar as seguintes modalidades de fraude ou má conduta em publicações:
Fabricação ou invenção de dados - consiste na apresentação de dados ou resultados inverídicos.
Falsificação: consiste na manipulação fraudulenta de resultados obtidos de forma a alterar-lhes o significado, sua interpretação ou mesmo sua confiabilidade. Cabe também nessa definição a apresentação de resultados reais como se tivessem sido obtidos em condições diversas daquelas efetivamente utilizadas.

Plágio: consiste na apresentação, como se fosse de sua autoria, de resultados ou conclusões anteriormente obtidos por outro autor, bem como de textos integrais ou de parte substancial de textos alheios sem os cuidados detalhados nas Diretrizes. Comete igualmente plágio quem se utiliza de ideias ou dados obtidos em análises de projetos ou manuscritos não publicados aos quais teve acesso como consultor, revisor, editor, ou assemelhado.

Autoplágio: consiste na apresentação total ou parcial de textos já publicados pelo mesmo autor, sem as devidas referências aos trabalhos anteriores.


Diretrizes
1: O autor deve sempre dar crédito a todas as fontes que fundamentam diretamente seu trabalho.
2: Toda citação in verbis de outro autor deve ser colocada entre aspas.
3: Quando se resume um texto alheio, o autor deve procurar reproduzir o significado exato das ideias ou fatos apresentados pelo autor original, que deve ser citado.
4: Quando em dúvida se um conceito ou fato é de conhecimento comum, não se deve deixar de fazer as citações adequadas.
5: Quando se submete um manuscrito para publicação contendo informações, conclusões ou dados que já foram disseminados de forma significativa (p.ex. apresentado em conferência, divulgado na internet), o autor deve indicar claramente aos editores e leitores a existência da divulgação prévia da informação.
6: se os resultados de um estudo único complexo podem ser apresentados como um todo coesivo, não é considerado ético que eles sejam fragmentados em manuscritos individuais.
7: Para evitar qualquer caracterização de autoplágio, o uso de textos e trabalhos anteriores do próprio autor deve ser assinalado, com as devidas referências e citações.
8: O autor deve assegurar-se da correção de cada citação e que cada citação na bibliografia corresponda a uma citação no texto do manuscrito. O autor deve dar crédito também aos autores que primeiro relataram a observação ou ideia que está sendo apresentada.
9: Quando estiver descrevendo o trabalho de outros, o autor não deve confiar em resumo secundário desse trabalho, o que pode levar a uma descrição falha do trabalho citado. Sempre que possível consultar a literatura original.
10: Se um autor tiver necessidade de citar uma fonte secundária (p.ex. uma revisão) para descrever o conteúdo de uma fonte primária (p. ex. um artigo empírico de um periódico), ele deve certificar-se da sua correção e sempre indicar a fonte original da informação que está sendo relatada.
11: A inclusão intencional de referências de relevância questionável com a finalidade de manipular fatores de impacto ou aumentar a probabilidade de aceitação do manuscrito é prática eticamente inaceitável.
12: Quando for necessário utilizar informações de outra fonte, o autor deve escrever de tal modo que fique claro aos leitores quais ideias são suas e quais são oriundas das fontes consultadas.
13: O autor tem a responsabilidade ética de relatar evidências que contrariem seu ponto de vista, sempre que existirem. Ademais, as evidências usadas em apoio a suas posições devem ser metodologicamente sólidas. Quando for necessário recorrer a estudos que apresentem deficiências metodológicas, estatísticas ou outras, tais defeitos devem ser claramente apontados aos leitores.
14: O autor tem a obrigação ética de relatar todos os aspectos do estudo que possam ser importantes para a reprodutibilidade independente de sua pesquisa.
15: Qualquer alteração dos resultados iniciais obtidos, como a eliminação de discrepâncias ou o uso de métodos estatísticos alternativos, deve ser claramente descrita junto com uma justificativa racional para o emprego de tais procedimentos.
16: A inclusão de autores no manuscrito deve ser discutida antes de começar a colaboração e deve se fundamentar em orientações já estabelecidas, tais como as do International Committee of Medical Journal Editors.
17: Somente as pessoas que emprestaram contribuição significativa ao trabalho merecem autoria em um manuscrito. Por contribuição significativa entende-se realização de experimentos, participação na elaboração do planejamento experimental, análise de resultados ou elaboração do corpo do manuscrito. Empréstimo de equipamentos, obtenção de financiamento ou supervisão geral, por si só não justificam a inclusão de novos autores, que devem ser objeto de agradecimento.
18: A colaboração entre docentes e estudantes deve seguir os mesmos critérios. Os supervisores devem cuidar para que não se incluam na autoria estudantes com pequena ou nenhuma contribuição nem excluir aqueles que efetivamente participaram do trabalho. Autoria fantasma em Ciência é eticamente inaceitável.
19: Todos os autores de um trabalho são responsáveis pela veracidade e idoneidade do trabalho, cabendo ao primeiro autor e ao autor correspondente responsabilidade integral, e aos demais autores responsabilidade pelas suas contribuições individuais.
20: Os autores devem ser capazes de descrever, quando solicitados, a sua contribuição pessoal ao trabalho.
21: Todo trabalho de pesquisa deve ser conduzido dentro de padrões éticos na sua execução, seja com animais ou com seres humanos.


Referências

Roig, M. (2006) Avoiding plagiarism, self-plagiarism, and other questionable writing practices: A guide to ethical writing. http:// facpub.stjohns.edu/~ roig m/plagiarism/
Angell, M. and A.S. Relman (1989). Redundant publication. New England Journal of Medicine, 320, 1212-14.
Kassirer, J. P. & Angell, M. (1995). Redundant publication: A reminder. The New England Journal of Medicine, 333, 449-450. Retrieved, March 7, 2003 from http://content.nejm.org/cgi/content/full/333/7/449 .
International Committee of Medical Journal Editors. http://www.icmje.org/ethical_1author.html

2 comentários:

Anônimo disse...

Natânia


Sou Professor e Biólogo. Busco em páginas aleatórias a divulgação do Ver de Vida, dedicado à causa ambiental e humanística.

Felicidade em sua importante jornada.

Cláudio

Natania A S Nogueira disse...

Obrigada, Claudio!
:-)