sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Onde está a criatividade?


Onde está a criatividade?

Esta é uma pergunta que tem sido cada vez mais difícil de responder. Como professora, eu tenho me sentido muitas vezes perdida.

Enquanto que a maioria esmagadora do sistema educacional brasileiro exige que os resultados das avaliações sejam os melhores, em termos numéricos, por outro lado a qualidade da aprendizagem tem deixado muito a desejar.

Há vinte anos atrás, quando comecei a lecionar eu imaginava que, no futuro, meus alunos seriam mais criativos, mais conscientes e mais comprometidos. Não que eu já não tivesse um bom conceito sobre eles. Muito pelo contrário. Em diversos momentos eles me surpreenderam com resultados excepcionais. Da década de 1990 guardo as melhores recordações, nesse sentido. Aqueles foram alunos que me marcaram, não pelas notas que tinham, mas porque eu via naqueles meninos e meninas um potencial enorme.

Hoje eu encontro com alguns deles e tenho uma sensação muito boa, porque eu sinto que eles estão felizes, que tem perspectivas para o futuro, eles têm sonhos, planos. 

Qual é a diferença daqueles alunos para os que possuem atualmente (com algumas exceções, claro)?

Eles foram e eram mais criativos.

Vou esclarecer o que eu penso sobre criatividade, antes de tudo. Para mim a criatividade é aquela capacidade de usar o raciocínio lógico de forma a encontrar soluções para problemas.

É a capacidade de superar desafios mesmo quando os recursos materiais e/ou humanos que se dispõe são limitados. A criatividade é aquela ferramenta fundamental para que uma pessoa possa suprir determinada falha ou mesmo a falta de determinado conhecimento.

É isso que tem, a meu ver, faltado aos meus alunos. Eles estão se habituando tanto a copiar e reproduzir que estão perdendo a oportunidade de desenvolver a criatividade. Fazer conexões, usar a lógica criar ao invés de copiar, têm sido operações cada vez mais difíceis.

Um exemplo simples: toda véspera de prova eles me pedem um resumo. Eles querem que eu condense em uma folha tudo aquilo que estudamos durante um ou dois meses. Toda véspera de prova eu repito o mesmo discurso: o resumo é a síntese do que VOCÊ estudou, portanto EU, PROFESSORA, não posso fazer isso por você.

Se eu fizesse, o que aconteceria?

Eles iram decorar, tirar notas boas e esquecer.
Eu prefiro uma nota regular, resultado do esforço e de um conhecimento realmente apreendido, do que uma nota máxima resultado da mera reprodução de um conteúdo decorado e que será, certamente, esquecido.

Percebem? Copiar, decorar e reproduzir.

Assim, claro, as notas serão boas. O aluno, de forma geral, não parece entender que ele deve produzir, deve usar seu raciocínio e chegar ao conhecimento. O professor orienta, mas ele não pode executar essa operação para o aluno. Isso é aprendizado.

Ah, mas os alunos não gostam de ler, logo não sabe interpretar, logo não consegue entender o que está escrito numa atividade.

Ah, mas o aluno tem um vocabulário ruim, não faz conexões simples. 

Nada disso é uma inverdade, mas eu percebi que estamos esquecendo-se da questão mais importante: isso é falta de criatividade. Tanto os professores precisam ser criativos e estimular a criatividade, quanto os alunos têm que ser levados a desenvolver sua criatividade, em todos os conteúdos, em todos os anos da educação básica e, inclusive, no curso superior.

(...) as habilidades criativas são de crucial importância no processo de preparação dos alunos para lidar com o mundo complexo e cheio de desafios. Contudo, percebe-se que a criatividade no contexto educacional, em geral, tem tomado como base para reflexão o senso comum e, assim, seu verdadeiro significado e implicações pedagógicas deixam de ser evidenciados. Essa situação pode levar à banalização da criatividade, que dessa forma será tratada com simplismo e permeada por mitos e crenças que lhe conferirão uma visão restrita.[1] 

O aluno criativo ele se expressa melhor, tem mais segurança para desenvolver atividades e é mais habilidoso para resolver problemas. Ele fala, escreve e age melhor.

Tenho uma amiga, Renata Arantes, que é professora de Artes no CEFET. No curso, ela procura usar a arte de forma a desenvolver essa criatividade. Ela trabalha a expressão corporal e verbal; ela desinibe os alunos que estão entrando no primeiro ano do ensino técnico por meio da criação, do teatro e até promovendo debates na sala de aula, permitindo que o aluno fale de si mesmo e ouça o que os outros estão falando. A aula de artes prepara o aluno para ser uma pessoa e um profissional mais criativo.

Outra amiga, professora de língua portuguesa, trabalha com produção de quadrinhos com alunos do nono ano. Ela consegue que eles se expressem através do desenho e da narrativa. Esses alunos também se tornam leitores mais competentes e mais interessados. Eles podem não ter o melhor domínio da gramática, mas possuem uma grande capacidade de expressão.

Essas duas educadoras, e eu poderia citar outras, dão a prioridade à criação, à criatividade. Uma vez que essa habilidade está desenvolvida e cristalizada, o aluno pode ter muito mais êxito como estudante, como profissional, como pessoa.

É importante ter em mente o fato de que as pessoas não nascem criativas. A criatividade é desenvolvida através de estímulos, desde a infância.

a expressão criativa não depende apenas das características individuais. O ambiente e o contexto sócio-histórico-cultural têm um papel fundamental na estimulação ou inibição do potencial criador de qualquer pessoa, pois somos seres sociais, influenciamos a cultura e o momento histórico e somos influenciados por eles.[2]

A escola é o espaço privilegiado onde essa criatividade pode ser estimulada. É preciso lembrar que, diariamente, crianças e jovens podem passar até seis horas em uma escola (ou mais). Pesquisas sobre criatividade apontam o professor como elemento indispensável para incentivar a criatividade.

Infelizmente, o próprio sistema de trabalho didático-pedagógico adotado pelas instituições de ensino acaba por contribuir para que o aluno não possa encontrar espaço para desenvolver sua criatividade.

Os fatores favoráveis ao desenvolvimento do potencial criativo são reconhecidos como necessários por parte dos professores, mas o cotidiano escolar é cheio de limitações e dificuldades que emperram o processo de construção de um ambiente favorável à criatividade.[3]

Estamos perdendo nossa capacidade criativa e perdendo a oportunidade de desenvolvê-la. Eu tenho visto a escola brasileira, no seu geral, ficando cada vez mais conservadora no sentido em que valoriza cada vez mais o resultado quantitativo em detrimento do qualitativo. Os números estão matando a criatividade e se confundindo com a qualidade.

Atualmente eles têm dominado nossa sociedade. Lembro-me, por exemplo, que os programas infantis dos canais abertos de televisão faziam sorteios de brinquedos para crianças que enviam cartinhas ou que participavam de uma brincadeira. Outro dia, vendo um programa infantil, fiquei desolada: as crianças participam agora para ganhar dinheiro. “O que você quer ganhar”, pergunta o apresentado. “Mil reais, responde a criança”.

Não é de se admirar que os jovens tenham escolhido suas profissões muito mais pelo valor do salário que irão ganhar do que pela sua aptidão. Os números estão matando a qualidade e impedindo o desenvolvimento da criatividade: o valor as notas, os prêmios em dinheiro, o valor do salário.





[1] ALENCAR, Maria Lima Soriano de OLIVEIRA, Eny da Luz Lacerda Eunice. Criatividade e escola: limites e possibilidades segundo gestores e orientadores educacionais. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 14, Número 2, Julho/Dezembro de 2010, p. 246.
[2] CASTRO, Julia Soares Rosa de, FLEITH, Denise de Souza. Criatividade escolar: Relação entre tempo de experiência docente e tipo de escola. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), Volume 12 Número 1 Janeiro/Junho 2008, p. 102.
[3] MARIANI, Maria de Fátima Magalhães, ALENCAR, Eunice Maria Lima Soriano de. Criatividade no trabalho docente segundo professores de história: limites e possibilidades. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1, p. 27.

2 comentários:

Marli Fiorentin disse...

Natânia!
Por isso que eu defendo a questão da autoria. Enquanto o educador não mudar a metodologia e o educando for o centro do processo, criando seus próprios conhecimentos, vamos continuar assim. e com tanta novidade para ver na web, sem uma mediação que leve à reflexão, a um aprofundamento, os jovens ficam na superficialidade. É preciso instigar a resolução de desafios, a motivação, a curiosidade. E a criatividade será então consequência. BJ!

Livia disse...

Comecei a dar aulas recentemente e seu texto expôs exatamente o que percebi em sala de aula. Sou professora de história e percebi que grande parte dos meus alunos não gostam de pensar, e sim, de decorar a matéria, por mais que eu repita que não é assim que se estuda. As provas são quase uma cópia do livro: percebo o mesmo vocabulário, as mesmas expressões, o mesmo raciocínio. É desolador. Ao mesmo tempo, tento procurar implementar atividades mais dinâmicas, mas confesso que encontro algumas resistências, tanto por parte da direção, quanto por parte dos próprios alunos. Outro dia, um aluno do 6º ano pediu que eu passasse um questionário como revisão de prova. A conclusão que tirei disso é apenas uma: ele vai decorar todas as questões pra fazer a prova.