quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

QUADRINHOS, MULHERES E SEXISMO

Imagem disponível em: http://zip.net/bssFR1,  acesso em 06 de jan. 2016.
Hoje recebi mensagens por e-mail e notificações na rede social onde, lamentavelmente, acusa-se o Prêmio do Festival Internacional de Angoulême (Grand Prix), um dos mais famosos e importantes do mundo, de sexismo: dos 30 nomes indicados, todos são homens. Entre os próprios contemplados o fato causou indignação. Muitos autores indicados pediram para terem seu nome retirado da lista. Alguns fizeram declarações públicas repudiando a ausência de mulheres na premiação. Miro Manara, um autor conhecido do público brasileiro, foi um dos que retirou seu nome da premiação. 

Pra quem não conhece, o Festival de Quadrinhos de Angoulême  foi criado em 25 de janeiro de 1974, com o objetivo de promover o reconhecimento artístico dos autores da Nona arte (Histórias em Quadrinhos). De lá para cá ele vem promovendo a indústria dos quadrinhos e premiando anualmente autores e editores.

Em quarenta e dois anos do festival, uma mulher conseguiu incorporar-se no ranking dos principais prêmios: Florence Cestac, em 2000. Claire Bretécher foi por muito tempo a única a receber um prêmio, em 1983. Os organizadores se defenderam dizendo que há poucas mulheres na indústria de quadrinhos franco-belga, cerca de 12,4%. 

Eu me pergunto se nenhuma delas conseguiu produzir, em 2015, um álbum sequer que tivesse qualidade suficiente para concorrer ao prêmio.  Chantal Montellier responde por mim, citando alguns dos ótimos trabalhos produzidos ano passado e que poderiam estar na lista dos indicados:
Le Piano oriental (Casterman), de Zeina Abirached
California Dreamin’ (Gallimard), de Pénélope Bagieu
Glenn Gould, une vie à contretemps (Dargaud), de Sandrine Revel

Fatherland (Ici Même), de Nina Bunjevac

A organização do festival também justifica-se dizendo que não podem "refazer a história". Oras, o sentido da História está justamente na constante possibilidade da mudança. O historiador Jacques Le Goff afirma que a história é a ciência da mudança, que ajuda a explica a mudança. Então, a sociedade é historicamente machista e/ou injusta, vamos nos conformar, aceitar que isso não pode ser mudado? Por favor, poderiam ter me poupado de ter lido isso.

A Associação Artemísia, que promove um prêmio anual com objetivo de dar visibilidade ao trabalho feminino, declarou por meio da sua presidente Chantal Montellier, haver claras evidencia de sexismo. Como vimos, muita gente concorda com ela, e não apenas mulheres. Fico imaginando se, quando o juri do prêmio apresentou o resultado final, alguém o impacto negativo que ele teria sobre a comunidade quadrinista de todo o mundo.

Não consigo deixar de pensar se isso talvez não seja uma forma de reação ao aumento, mesmo que lento, da presença feminina na indústria dos quadrinhos. Uma forma de Backlash? O número de leitoras de quadrinhos é a cada ano mais relevante e chega a representar em alguns países mais de 50% do público consumidor. Mulheres servem para consumir, mas não servem para produzir?

Não estou defendendo cotas. Não acho que seja solução estabelecer uma porcentagem de cadeiras para mulheres em prêmio algum. Acho que o talento deve ser reconhecido, independentemente do sexo. Da mesma forma acredito que prêmios como o de Angoulême devem levar em conta que não se trata apenas de escolher o melhor: trata-se de incentivar o desenvolvimento e crescimento dos quadrinhos enquanto indústria, arte e forma de expressão. Não vejo de que maneira excluir as mulheres das premiações esteja contribuindo para isso.

O que eu li para escrever este texto:


Le festival de BD d’Angoulême accusé de sexisme après une sélection 100 % masculine. Disponível em: http://zip.net/bssFR1,  acesso em 06 de jan. 2016.

Le Festival D’Angoulême aime les femmes…. mais ne peut pas refaire l’histoire (de la bande dessinée). Disponível em: http://zip.net/bgsFhk, acesso em 06 de jan. 2016.

43e Festival d'Angoulême : une "sélection" qui fait des vagues. Disponível em: http://zip.net/bksFtF,  acesso em 06 de jan. 2016.

Atualização: No dia 07 de janeiro a organização do Festival de Angoulême, mediante às repercussões geradas pela exclusão das mulheres do Grand Prix, mudou as regras: não haverá lista. Os autores irão votar livremente e escolher o autor(a) que acharem merecedor do prêmio.

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