quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

É POSSÍVEL TRABALHAR APENAS COMO QUADRINISTA?


A organização do 8ª Comic Strip Festival de Bruxelas, que vai acontecer entre os dias 1º e 3 de setembro deste ano, anunciou durante o Festival de Angoulême o maior prêmio de quadrinhos da Europa, pelo menos em termos monetários. O Festival Comic Strip terá pela primeira vez o Prêmio Atomium.

O Atomium irá oferecer um montante de € 100.000 em prêmios em dinheiro, a artistas como uma forma de incentivar seu trabalho. Segundo os organizadores do festival, o número de quadrinistas vem diminuindo a cada ano, dadas as dificuldades de muitos deles se sustentarem financeiramente na atividade.

O anuncio do prêmio ocorreu durante uma Conferência de imprensa do Festival de Angoulême deste ano, com a participação de Micha Kapetanovic, chefe do Comic Strip Festival, Jean-David Morvan, patrocinador do Festival 2017 e Thierry Tinlot, que se juntou à organização do Festival como um consultor.

A princípio serão oferecidos oito prêmios (clique aqui para conferir todos os prêmios), mas outros podem ser acrescentados até setembro. Os prêmios variam de 20.000 a 3.000 e podem incluir ainda um contrato com uma editora. Serão premiados jovens quadrinistas que, por exemplo, não tenham publicado mais de dois álbuns. Serão premiados trabalhos de humor, quadrinhos históricos e, por exemplo, quadrinhos que estimulem a prática da cidadania.

O Prêmio Atomium pretende ser um reforço financeiro a quadrinistas para que estes tenham condições de se dedicar mais ao trabalho sem precisar comprometer sua renda com atividades complementares. Na verdade, a organização do festival belga teme que a profissão entre em extinção, não atraindo as novas gerações. O que me leva a questionar a extensão do problema. É uma realidade franco-belga ou mundial?

Apesar da indústria dos quadrinhos ser muito lucrativa, o numero de quadrinistas vem diminuindo a cada ano. Durante boa parte do século XX foi recorrente o movimento de profissionais dos quadrinhos que migraram para outras atividades, geralmente ligadas às artes e à comunicação.
  
Na primeira metade do século XX nos Estados Unidos, por exemplo, ser quadrinista não era necessariamente uma profissão de prestígio e muitos artistas viam o trabalho nos estúdios como algo temporário. No Brasil, na mesma época temos vários exemplos de artistas plásticos, cartunistas e quadrinistas que desenvolviam diversas atividades como forma de complementar a renda familiar. Esta realidade não mudou muito nos últimos 60 anos e, ao que tudo indica, é mundial.

Eu tive a oportunidade de conversar com quadrinistas de várias gerações e de diferentes países a este respeito[1]. A maioria deles e delas relata dificuldades financeiras em se manter apenas com a profissão, e a necessidade de complementar a renda com outras atividades, muitas vezes ligadas aos meios de comunicação ou ao próprio mercado dos quadrinhos. Embora não se descarte a possibilidade do profissional dos quadrinhos conseguir se manter apenas com seu trabalho, esta é uma realidade usufruída por poucos.

É necessário refletir, também, acerca das preocupações dos organizadores do Comic Strip Festival. Até que ponto revelam um interesse real para com os profissionais que trabalham com quadrinhos. Até que ponto denunciam o interesse das editoras em garantir a manutenção e reprodução da mão de obra futura e, portanto, dos seus lucros. Afinal, os quadrinhos são uma indústria, forjada a partir de relações capitalistas.

Links consultados
De nombreux prix remis cette année lors de la Fête de la BD à Bruxelles. Disponível em: https://www.rtbf.be/culture/bande-dessinee/detail_de-nombreux-prix-remis-cette-annee-lors-de-la-fete-de-la-bd-a-bruxelles?id=9514819 , acesso em 01 de fev. 2017.

Brussels Comic Strip Festival will host Les Prix Atomium de la Bande Dessinée for the very first time. Disponível em: http://www.eturbonews.com/76996/brussels-comic-strip-festival-will-host-les-prix-atomium-de-la-b, acesso em 01 de fev. 2017.




[1] Estes relatos serão trabalhados na segunda parte deste texto.

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