terça-feira, 27 de junho de 2017

REALISMO, AUTOBIOGRAFIA E FANTASIA COM LI ÖSTERBERG

Li Österberg pertence àquela geração de mulheres que revolucionou os quadrinhos suecos, com temáticas ligadas ao feminismo, com quadrinhos mais filosóficos e politizados. Formou-se pela "Escola de Quadrinhos de Hofors", onde estudou por três anos. As escolas de quadrinhos na Suécia oferecem uma formação completa para quem deseja se profissionalizar na área. Li Österberg conta que produzia croquis uma vez por semana e que lá conheceu diferentes gêneros de quadrinhos. Havia, também, visitas de artistas veteranos que compartilhavam sua experiência Professional.

Sua profissionalização veio em 1998 quando participou da antologia “Allt för konsten" (Todas as artes), publicada pela Optimal Imprensa, e premiada pelo Prêmio Urhunden[1], em 1999.

Da mesma forma que muitos outros quadrinistas suecos da sua geração, Li Österberg produziu quadrinhos autobiográficos. Segundo ela, este tipo de quadrinhos era uma tendência na Suécia, na década de 1990, e parecia “quase impossível ser publicado com qualquer outra coisa”. Atualmente ela raramente faz este tipo de quadrinho, dedicando-se mais à ao realismo e à fantasia.

Em seus quadrinhos autobiográficos, Li Österbergs fala de suas experiências, sua timidez, neuroses, fobias sociais e de sua família. Um dos seus primeiros quadrinhos deste gênero foi “Sagan om flickan som bara ville Rita” (História sobre a garota que só queria desenhar). Mas vai ser com o fanzine “Agnosis”, que teve 15 números, iniciado por volta de 2004, que ela vai trilhar mais intensamente a autobiografia.

Li Österberg seguiu um caminho inverso com relação à produção de quadrinhos. Ela começou a produzir fanzines depois de ter se profissionalizado.

“Na época, nenhum editor parecia suficientemente interessado em meus quadrinhos. Então, para publicá-los eu tinha a mim mesma. Eu escolhi o nome Agnosis, o oposto do termo gnose (conhecimento), para o meu fanzine, já que meus quadrinhos costumavam ter pessoas confusas que tentavam entender o mundo e a elas mesmas. Eu realmente gostei de fazer fanzines. Isso diminuiu a minha ansiedade com relação ao meu desempenho e me tornou mais criativa. E eles foram bem recebidos no mundo dos quadrinhos suecos, o que eventualmente levou sua publicação. Eu diria que Agnosis foi muito importante tanto para mim pessoalmente quanto para minha carreira”.

Em 2003 ela lançou o álbum “Johanna”, também pela Optimal Imprensa. O projeto nasceu em 2000, em parceria com o escritor e quadrinista Patrik Rochling, para ser uma webcomic feminista e acabou crescendo. A protagonista, a rebelde Johanna, tem suas histórias contadas da adolescência á idade adulta e retrata diversas situações cotidianas, muitas delas divididas com outra personagem, Klara. Com o tempo “Johanna” foi dividindo seu protagonismo com outros personagens secundários. Em 2014 foi publicada uma coleção completa de “Johanna”, com o material publicado entre 2003 e 2012.

Como Li Österberg é fã de mitologia grega desenvolveu um projeto chamado “Nekyia” (2012), onde Hermes e Hades são dois dos protagonistas. O gosto pela mitologia vem do grande conhecimento que ela tem sobre da história e religião. Conta que seu interesse por mitologia surgiu ainda na infância, quando adorava mitos e contos de fadas. Na adolescência a mitologia grega se tornou uma obcessão.

“Eu gostava do fato deles serem tão falhos e humanos. E eles tinham algumas deusas realmente legais e poderosas (o que eu não percebia naquela época era que algumas dessas deusas poderosas possuíam traços bastante misóginos). Mais de dez anos depois, voltei aos mitos gregos e comecei a fazer histórias em quadrinhos sobre eles novamente, desta vez numa tentativa de misturar o gênero realista com o gênero de fantasia”.

Atualmente ela trabalha um novo projeto com Patrik Rochling, onde ele escreve o roteiro, num estilo realista com personagens fictícios. Continua sua série sobre deuses gregos, onde mistura realismo e fantasia, abordando temas como sonhos perdidos, controle de natalidade e a busca por um lugar no mundo. Dessa série já foram publicados três livros e o quarto está em produção.

Quem quiser conhecer mais sobre o trabalho de Li Österberg é só clicando aqui! 

OBS: Agradecimentos a Li Österberg, que me concedeu uma entrevista via e-mail no dia 23 de abril de 2017 e que pacientemente me tirou muitas dúvidas depois.



[1] Prêmio concedido anualmente aos melhores quadrinhos suecos.

sábado, 24 de junho de 2017

HOMOFOBIA NAS PÁGINAS DA GAZETA DE LEOPOLDINA - 1898


Eventualmente eu percorro as páginas dos jornais antigos de Leopoldina em busca de uma ou outra informação que me inspire um texto ou mesmo uma breve reflexão. Na minha última busca, eu me deparei uma matéria chamada Coisas do dia assinada por Júlio Caledônio[1]. Numa narrativa em forma de crônica, ele fala sobre um homem que conheceu “há alguns anos, infelizmente”. Deu-lhe o nome de João. Segundo ele, um homem bem apessoado, “agrada-se desde logo, ao seu primeiro olhar, que todo travesso, talvez que só para os homens...”

Trata-se de um texto, em resumo, homofóbico, que faz duras críticas ao dito “João” por ter “virado suas opiniões crenças e sentimentos, tudo... do direito para o avesso”. Ou seja, João estava tendo um comportamento fora dos padrões considerados masculinos. O texto foi publicado na primeira página, da Gazeta de Leopoldina do dia 27 de fevereiro de 1898[2].

O comportamento de João, ao que tudo indica, revoltou Caledônio. Ele narra o episódio em que João recebe em seu estabelecimento[3] um senhor que vendia abacaxis e dele se despede fazendo o seguinte gracejo: - “meu benzinho do açúcar, volta amanhã, sim?” Sobre tal comportamento, Caledônio comenta:

"Eu, pelo menos, seria incapaz de chamar - meu amorzinho – a um velho assim, ou a qualquer homem que vista calças; sou capaz, em dados momentos, de dizer coisas mais bonitas ainda, porém não para marmanjos".

O autor deixa bem claro o que ele pensa sobre o assunto, opinião possivelmente compartilhada pelos leitores e a direção do jornal.  É interessante perceber como o discurso que condena a homoafetividade não mudou em quase cento e vinte anos.  Da mesma forma foi fascinante ler o trecho onde o autor coloca sua opinião sobre as relações entre pessoas do mesmo sexo de forma bem clara e direta, citando homens e mulheres.

"Tudo na natureza foi sabiamente criado.

Assim como é antinatural uma mulher beijar uma outra mulher, ou o homem um outro homem o é dedicar o homem a outro homem uma expressão que só deveria ser ofertada a uma mulher, e a uma mulher que se ama!”

Um homem, por mais delicado, por mais efeminado que seja, não merece uma linguagem tão terna, tão expressiva, tão sentimental:  “meu amorzinho; um benzinho de açúcar; minha florzinha; meu coraçãozinho, etc".

Sabemos que as relações homoafetivas sempre existiram, não há o que se discutir, mas ler tal relato em um jornal do interior de Minas Gerais, do final do século XIX, nos leva a refletir sobre como eram essas relações no dia a dia da comunidade. Nos leva a pensar que havia aqueles que desafiavam os tabus e que não tinham medo de se expor aos olhares e às criticas de conhecidos e vizinhos.

Se havia aqueles que escondiam sua orientação sexual, como ainda hoje existe, o contrário também ocorria e era de conhecimento público. Ou seja, aquela velha frase que ouvimos desde que éramos crianças “antigamente não tinha nada disso”, é pura balela. Não obstante, encontramos relatos sobre relações homoafetivas em vários documentos ao longo da história. A sodomia ao longo da história (práticas sexuais consideradas não naturais) foi vigiada, denunciada e punida.

"As Ordenações Afonsinas consideravam  a sodomia “ o mais torpe, sujo e desonesto de todos os crimes”, condenando à fogueira seus autores, independentemente de sua posição social; as Ordenações Manuelinas ratificavam a pena de morte, acrescentando o confisco dos bens dos réus em favor da coroa, cabendo um terço para os delatores, tornando os filhos  e netos dos fanchonos, infames e inábeis para exercer cargos públicos; as Ordenações Filipinas confirmam integralmente as anteriores, aumenta o prêmio ais delatores na metade dos bens dos sodomitas, ou em 100 cruzados no casso do réu ser despossuído, condenando ainda os sonegadores de sodomitas, aqueles que os encobriam, à confiscação de seu patrimônio e degredo perpétuo para Dora do país. As suas últimas ordenações criminalizavam não apenas o pecado nefando entre homens, mas igualmente o lesbianismo, chamado na época sodomia foeminarum".[4]

Mas estávamos no século XIX, os sodomitas ainda eram tratados como criminosos? 

A resposta é sim. O dramaturgo e escritor  Oscar Wilde, famoso pelo "O Retrato de Dorian Gray", por exemplo, foi preso no dia 6 de abril de 1895 após perder um processo por difamação contra o Marquês de Queensberry. Wilde tinha um caso com o filho do marquês, que o acusou de ser homossexual. Wilde foi preso, considerado culpado e sentenciado a dois anos de trabalhos forçados.[5]

A sodomia foi descriminalizada em vários países europeus no decorrer do século XIX, mas isso não significou uma maior tolerância. A preocupação com os desvios sexuais encontrou outros campos se tornado um tema recorrente na medicina e na psiquiatria.  E mesmo não sendo considerada crime a sodomia ainda era punida pelas autoridades policiais, por ir contra a moral e os bons costumes[6].

Vai ser no século XIX que vai surgir a palavra homossexual, em 1969, cunhada pelo autro-húngaro Karl-Maria Kertbeny, que era substituir o termo sodomia ao se referir à homoafetividade, Em 1870 surge o primeiro estudo científico sobre o assunto[7]. O comportamento homoafetivo passa a ser considerado pela medicina como uma doença, um desvio.

Não era crime João ter um comportamento efeminado, mas não era natural e, portanto, deveria ser denunciado. Se João é um personagem real ou fictício, é difícil saber. Mas ele certamente representa um grupo que existia e, certamente, não era ignorado. João mostra que a homoafetividade está presente em Leopoldina no final do século XIX e que não é tolerada, tendo que sido vigiada e, talvez, punida. Mostra que as relações sociais eram complexas e que estavam sob a zelosa fiscalização do Estado burguês. Os meios de comunicação eram usados para alertar, denunciar e prevenir tais comportamento.





[1] CALEDÔNIO, Júlio. COISAS do dia. Gazeta de Leopoldina, n. 46. Ano 5, Leopoldina, 27 de fevereiro de 1898, p. 01
[2] Jornal disponível para leitura na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (www.memoria.bn.br).
[3] No texto Caledônio diz que João tem um bazar, depois corrige dizendo que é um cartório. Parece se confundir propositadamente.
[4] MOTT, Luiz. Justitia et misericórdia: a inquisição portuguesa e a repressão ao nefando pecado de sodomia. In: NOVINSKY, Anita. CARNEIRO, Maria Luisa Tucci (org). Inquisição: ensaios sobre mentalidade, heresias e arte. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura: São Paulo: EDUSP, 1987, p.  705-6.

[5] Escritor Oscar Wilde é preso por relacionamento com filho de marquês. Disponível em: https://mobile.seuhistory.com/hoje-na-historia/escritor-oscar-wilde-e-preso-por-relacionamento-com-filho-de-marques, acesso em 24 jun. 2017.

[6] PRETES Érika Aparecida, VIANNA Túlio. História da criminalização da homossexualidade no Brasil: da sodomia ao homossexualismo Iniciação científica – Destaques 2007, p. 317. Disponível em: https://vetustup.files.wordpress.com/2013/05/historia-da-criminalizacao-da-homossexualidade-no-brasil-da-sodomia-ao-homossexualismo-tc3balio-l-vianna.pdf, acesso em 24 jun. 2017.
[7] PRETES Érika Aparecida, VIANNA Túlio. Op. Ci.  p. 319. 

quinta-feira, 22 de junho de 2017

ALLA COMEMORA UM ANO DE CÍRCULOS DE LEITURA


No dia 14 de junho de 2016 foi realizado o primeiro encontro organizado pela acadêmica Begma Tavares Barbosa, reunindo pessoas interessadas na leitura literária, na formação de leitores literários na escola e na troca de experiências sobre práticas de leitura. 

Para comemorar um ano dos nossos Círculos de Leitura, e no clima da exposição Oxente, vamos nos reunir para conversar sobre autores nordestinos. 

A Academia Leopoldinense de Letras e Artes convida para uma confraternização literária. Os participantes habituais já escolheram seus autores prediletos,
​ 
conforme convite acima. Escolha também um autor do nordeste que lhe agrade e venha participar do encontro especial que será realizado no próximo dia 1 de julho, das 10 às 12 horas, na Casa de Leitura Lya Maria Müller Botelho.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

MULHERES, DE CAROL ROSSETTI

Capa do livro "Mulheres - Retratos de Respeito, Amor-Próprio, Direitos e Dignidade"(2015), editora Sextante.

No feriado eu me dei o luxo de escrever, assistir filmes e colocar uma parte da minha leitura em dia. Comecei com um livro que eu comprei ano passado, Mulheres - Retratos de Respeito, Amor-Próprio, Direitos e Dignidade, de Carl Rossetti, um projeto feito pra levantar a autoestima feminina. 

É um livro feminista e, acima de tudo, um livro onde o feminismo é colocado do jeito que eu acredito que ele deva ser: uma forma de se alcançar justiça social e de promover a inclusão de TODOS, não apenas das mulheres.  Já gostei dele por conta disso. 

Cada capítulo do livro é composto de uma pequena introdução onde a autora trabalha um tema que será representado em imagens nas página seguintes. Simples, bem escrito e bem desenhado, acredito que o livro tenha sido um daqueles projetos que começa pequeno e vai ganhando grandes proporções.

Chamou-me a atenção é a forma como a autora rebate situações onde mulheres se sentem, de alguma maneira, inferiorizadas ou constrangidas. E são tantas as situações! Eu nunca parei para pensar sobre como nós somos bombardeado(a)s cada dia uma gama tão variada de agressões ao que somos, ao que fazemos e ao que pensamos.

E parar para refletir sobre isso é uma forma de nos protegermos contra uma sociedade altamente discriminatória e superficial, onde o que importa é a aparência, em todos os sentidos. É seguir a moda, é fingir ser o que não é, falar o que as pessoas querem ouvir de você. É quase um manual de sobrevivência, que antecipa os desafios que qualquer um de nós pode vir a enfrentar, homens e mulheres, e faz pensar sobre como a nossa sociedade ainda precisa mudar.

domingo, 18 de junho de 2017

COMEMORAÇÃO DOS 10 ANOS DO PRÊMIO ARTEMÍSIA

Convite recebido para a inauguração da exposição.
No dia 08 de junho foi inaugurada em Paris uma exposição em comemoração aos 10 anos do Prêmio Artemísia, na Galeria de Arte Maniak, em Paris. A galeria é especializada na 9ª arte, e uma das apoiadoras do Prêmio Artemísia. Ela está situado numa antiga mansão do século XVIII, que possui 180 metros quadrados que estão sendo ocupados pela exposição, em três andares. Um espaço nobre pra um evento tão importante para os quadrinhos e as mulheres francesas.

O Associação Artemísa, que concede o prêmio, foi criado em em 2007 para homenagear anualmente as melhores quadrinistas francesas, segundo análise de um juri especializado. A iniciativa da sua criação partiu de Chantal Montellier, uma das pioneiras dos quadrinhos políticos na França e uma das mais talentosas quadrinistas francesas da atualidade.

exposição reúne 15 autoras e 80 páginas originais de quadrinhos de quadrinistas que acreditaram no projeto, participaram e foram premiadas durante esses 10 anos. As placas originais das seguintes artistas:  Céline Wagner (Artemisia Preço 2017), Claire Braud Cecilia Capuana, Catel Muller Rachel Deville, Sylvie Fontaine, Marion Laurent, Mandrake, Laureline Mattiussi, Fanny Michaelis, Chantal Montellier Jeanne Puchol, Silvia Radelli Thea Rojzman e Perrine Rouillon. A exposição estará aberto ao público até 25 de junho.

Para quem, como eu, não poderá conferir pessoalmente a exposição, Chantal Montellier disponibilizou um pequeno da inauguração. Confira!


Chantal esteve no Brasil recentemente (participando da Semana Internacional de Quadrinhos, promovida pela UFRJ. (clique aqui para saber mais).

terça-feira, 13 de junho de 2017

OS QUADRINHOS FEMINISTAS DE ELIN LUCASSI


Os quadrinhos feministas revolucionaram a indústria dos quadrinhos na Suécia. Na última década, as mulheres passaram a ocupar lugar de destaque na produção nacional. Especialistas como Fredrik Strömberg acreditam que elas, atualmente, lideram o mercado com uma produção original e muito politizada. A televisão e as redes sociais tiveram um papel muito importante neste sentido, pois permitiram que os artistas pudessem mostrar seus trabalhos sem dependerem exclusivamente das editoras.

E os suecos gostam de quadrinhos politizados. Por isso quadrinistas como Malin Biller, por exemplo, com suas tiras provocativas fazem muito sucesso nos jornais. Embora aquele país tenha um mercado reduzido para os quadrinhos, até porque a Suécia é um país pequeno, com menos de 10 milhões de habitantes (9.799 milhões), seus quadrinistas vêm ganhado o mundo. Muitos já foram publicados em países como Estados Unidos, França, Alemanha e Portugal. Eles, também, já estão ganhando o Brasil. Este ano a AVEC Editora publicou Alena, do Sueco Kim W. Andersson. Há ainda a possibilidade de termos, em breve, os mangás suecos de Natalia Batista.

Tanta efervescência cultural em um país tão pequeno se deve principalmente a uma oxigenada política que teve início no final do século XX. A Suécia vem rompendo com o conservadorismo adorando uma educação voltada para uma visão mais politizada da sociedade e baseada na igualdade de gênero. 

Das artistas desta nova geração que abraçaram os quadrinhos feministas, temos Elin Lucassi. Lucassi já trabalhou como professora, é cartunista, editora e escritora, tendo trabalhado, também como bibliotecária. Ela conta que começou a desenhar na escola, fazendo caricaturas de professores e desenhando situação engraçadas nas quais ela se envolvia. 

Seus quadrinhos são feministas e marcados por um estilo de desenho único e uma narrativa inteligente. Lucassi trabalha com temas que giram em tornos de preconceito, sexismo e racismo, entre outros, com muito humor, mas, ao mesmo tempo, de forma muito séria. Apesar dos avanços dos últimos anos a sociedade sueca ainda é muito paternalista e estes temas precisam ser discutidos.

Lucassi respondeu a algumas perguntas que fiz sobre sua profissão e sobre as mulheres e os quadrinhos na Suécia, no dia 26 de maio. Respostas curtas, mas que estão me ajudando a compor um panorama mais amplo do que é o mercado dos quadrinhos na Suécia e sobre a inserção feminina naquele mercado.

Segundo Lucassi, embora na Suécia estes problemas sejam combatidos eles ainda estão presentes. Nas palavras dela “As pessoas têm, por exemplo, a necessidade de formar um nós e um deles, o que pode levar ao racismo”. Além disso, Lucassi destaca que não é fácil ganhar a vida como quadrinista e, devido ao tipo de quadrinho que ela faz acaba recebendo críticas mais exaltadas de grupos conservadores. 

Mas, de uma forma geral, o efeito de tantas lutas encabeçadas pelo movimento feminista tem sido positivo. A autora afirma que as mulheres quadrinistas têm sido muito solicitadas e vê recebendo mais atenção pelo seu trabalho.

Encerrando minha breve entrevista eu tinha que perguntar a ela sobre o que achava do uso dos quadrinhos na educação. Ela me respondeu que a partir a sua experiência como professora e trabalhando durante um tempo como bibliotecária, ela acredita no potencial dos quadrinhos como ferramenta didática. Atualmente, ela trabalha como editora de livros digitais educativos e usa com frequência cartuns. Segundo ela, é muito importante ensinar as crianças a lerem a partir das imagens.

Para conhecer mais sobre o trabalho de Elin Lucassi, o leitor pode acessar o site Politsm, onde Lucassi publica regularmente seus quadrinhos, ou pode seguir sua coluna na Litteratur Magazine. Tudo em sueco, mas sempre se pode traduzir a página ou usar o tradutor para ler suas tirinha.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

UM ANO DE SARAU DE POESIAS

Sarau e poesias realizado no dia 10 de junho de 2017, no Museu Espaço dos Anjos.

Este ano completamos um ano do Sarau de Poesias realizado mensalmente pela Academia Leopoldinenses de Letras e Artes, em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura de Leopoldina. Durante este período a ALLA, através das organizadoras do Sarau Ana Cristina Miranda Fajardo e Gláucia Costa conseguiu reunir todos os meses um grupo significativo de pessoas, de 8 a 80 anos, sábado pela manhã, para contar casos, declamar poesias autorais e de outros poetas, cantar e tocar instrumentos musicais. Pessoas que moram em bairros centrais e distantes, e até em distritos vizinhos, que pertencem a classes sociais distintas, que possuem graus diferentes de escolaridade (do doutor(a) ao aluno(a) do EJA).

Para quem não sabe, um sarau é um encontro literário e artístico, que pode acontecer durante a noite, ou em qualquer horário, em lugares fechados ou abertos, com diversas manifestações culturais, tendo como uma característica fundamental ser um momento de confraternização cultural.

Quem diria que em pleno século XXI um sarau poderia envolver tantas pessoas? 

Quem disse que a cultura é um luxo de poucos? 

E quem disse que os jovens não apreciam a cultura?

Bom, eu ouvi pessoas dizendo que não daria certo e que as pessoas, hoje, não se disporiam a sair de suas casas no fim de semana para ouvir poesia ou falar sobre livros e poetas. Ainda bem que a ALLA não acreditou nestas previsões tão negativas. Prova disso é que a cada mês o número de participantes aumenta.  

E eu aposto que teremos mais um ano, mais dois anos, mais dez anos de sarau, porque as coisas boas criam raízes, dão frutos e estes frutos alimentam novas mentes estimulando-as a trilhar o caminho iluminado do pensamento.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

MINHAS IMPRESSÕES SOBRE O FILME DA MULHER MARAVILHA

Fui assistir, no último domingo, ao filme da Mulher Maravilha. Sou fã da personagem, do que ela representa. A Mulher Maravilha foi importante na minha infância, ela era um modelo para as meninas. Uma mulher que não precisava dos homens para protegê-la, que enfrentava o perigo sem medo. Ela foi, também, o modelo da minha sobrinha que é, inclusive, fã de Lynda Carter. De geração a geração, a Mulher Maravilha vem inspirando meninas/mulheres em todo o mundo.

Já adianto que não me considero uma especialista na personagem. Tenho alguns livros sobre ela, li alguns quadrinhos e assisti animações e ao seriado com Lynda Carter. Já citei ela em alguns artigos e até na minha dissertação, mas escrevo aqui sem o compromisso de contribuir para uma análise profunda sobre a personagem, longe disso. Conheço gente que sabe muito mais do que eu sobre ela. 

Também não vou enrolar para falar sobre o filme. Prefiro ser objetiva. Posso dizer que fui assistir ao filme com uma expectativa maior do que o normal. E fui em família: com meu irmão, minhas duas sobrinhas e minha mãe, que detesta cinema, mas foi porque o filme era da Mulher Maravilha. 

O filme foi bom, bem acima das minhas expectativas, que não eram tão boas. Dado o histórico dos filmes da DC, eu realmente estava com o pé atrás, ainda mais porque o filme se passa durante a I Guerra Mundial.  Só essa descontextualização já havia me desagradado, mesmo antes de ver o filme. A Mulher Maravilha foi criada para lutar contra nazistas, em 1941, não contra alemães em 1918.

Mas, tudo bem, até que os roteiristas conseguiram contornar esta mutilação histórica e a personagem em si rouba a cena. Aliás, apesar de todas as criticas que li e ouvi sobre a escolha da atriz eu diria que Gal Gadot deu conta do recado. 

Gadot deu vida a uma guerreira motivada por uma causa, e que vai, aos poucos, perdendo a inocência à medida em que conhece melhor o mundo dos homens. Ela quer vencer o Deus da Guerra pelo amor, tal como Afrodite preconiza na primeira aventura da Mulher Maravilha. Acho isso legal. Acho que William Marston aprovaria. Mas senti falta de uma vilã mais consistente. A Dra. Veneno estava meio apagada. A baronesa Paula Von Gunther talvez tivesse sido uma escolha melhor.
Origem dos Super Heróis - Ebal/1975.

Não pretendo fazer uma resenha longa. Então vou encerrar dizendo que o filme é bom, a personagem foi bem construída, os demais atores cumprem bem seu papel. Eu ainda prefiro os filmes da Marvel, claro. Mas a DC mostrou que pode fazer um bom filme de superaventura, apesar de não se arriscar muito (tirar a Mulher Maravilha do contexto da II Guerra é uma forma de levar o filme a países onde símbolos nazistas não podem ser exibidos). Dito isso, recomendo a todos que assistam ao filme, levem seus filhos, sobrinhos, maridos, esposas e namorados (as).


domingo, 4 de junho de 2017

CHANTAL MONTELLIER NO BRASIL

Amaury Fernandes, Marta, Chantal e eu!

Um mês depois, eu pude reunir fôlego para escrever algumas palavras sobre a experiência de me encontrar com Chantal Montellier no Rio de Janeiro, durante a Semana Internacional de Quadrinhos (SIQ), realizada entre os dias 02 e 05 de maio deste ano. Ao contrário do que se fala dos franceses, eu nunca tive qualquer problema em me relacionar com eles. Das poucas vezes que fui à França eu fui bem tratada e recebida e não foi diferente com Chantal Montellier.

Nós começamos a ter contato no final de 2015, quando estendi minhas pesquisas sobre mulheres nos quadrinhos para a França. Na época eu tinha interesse em saber mais sobre a revista “Ah! Nana!”, publicada no final da década de 1970. Ela, de imediato, me deu todo o suporte e, quase sem em conhecer, me indicou para publicar em uma revista francesa. A partir dela eu fiz contatos com pessoas como o jornalista Yves Frémion e com a quadrinista italiana Cecília Capuana.  

Finalmente, eu iria conhecer aquela que havia se tornado um exemplo para mim, tanto pelo se talento quando pelo seu idealismo. E nós sabemos que vivemos uma época em que ter e manter ideais é uma tarefa árdua.

Chantal Montellier veio ao Brasil a convite de Octavio Aragão e de Amaury Fernandes, organizadores do SIQ, como principal atração do evento, patrocinada pela Maison de France. Aproveitando sua vinda ao Brasil, a Editora Veneta republicou o único quadrinho de Chantal Montellier no Brasil, “O Processo”, uma adaptação da obra de Kafka. Estamos aguardando o próximo, opções não faltam!

E ela realmente roubou a cena. Entre entrevistas, lançamentos e palestras ela cumpriu com maestria todos os seus compromissos e ainda fez muito mais. E não podemos esquecer da sua preocupação constante em estar atendendo à demanda do seu público, que incluiu quadrinistas, estudantes de arte e jornalismo, professores e curiosos.

Não pode faltar livro autografado!
A experiência foi fisicamente desgastante, mas intelectualmente enriquecedora. Ela abriu meus olhos para muitos elementos acerca da História das Mulheres, dentro e fora dos quadrinhos, que até então eu não havia mensurado. Conhecimento adquirido, laços de amizade reforçados, eu poderia dizer que os três dias que passei em companhia desta grande dama dos quadrinhos foi decisiva para definir os caminhos que eu desejo tomar com relação à pesquisa. Foram importantes ainda para entender que o estudo das mulheres nos quadrinhos não deve nem pode ter fronteiras. 

A História das Mulheres tanto quando a História dos Quadrinhos é universal, ela não pertence ao Brasil, à França ou aos Estados Unidos, ela pertence a todos. É uma História marcada por lutas, por avanços e retrocessos. É a História das brasileiras, das francesas, das suecas, das inglesas, das japonesas, das estadunidenses e das angolanas.  

Ser mulher em nosso mundo e ser várias mulheres em imersas em várias realidades, mas que enfrentam desafios muito semelhantes. Seja nos anos de 1940, nos anos de 1970 ou atualmente, é uma História que se define pela construção de uma memória compartilhada. E Chantal Montellier compartilhou parte desta memória conosco naqueles três dias em que ela se revezou entre entrevistas e palestras.